No dia 20 de novembro, a comunidade afro-brasileira cultua Zumbi, o herói que liderou o Quilombo dos Palmares, localizado onde fica, hoje, o Estado de Alagoas. Palmares chegou a ser uma confederação formada por povoações (11) e resistiu por 94 anos.
Quando no final dos anos 70, a ditadura militar consolidava o mito da democracia racial, proibindo debates sobre a temática do racismo, os membros do Grupo Palmares, de Porto Alegre, começaram a pensar uma data que fizesse o contraponto às comemorações da abolição da escravidão, uma liberdade concedida por uma bondosa princesa. O poeta Oliveira Silveira sugeriu o dia 20 de novembro, que marcava a morte do líder de Palmares. A expressão "consciência negra" foi tomada de empréstimo a Steve Biko, ativista que enfrentava o regime do Apartheid, da África do Sul, com uma intensa campanha para a construção do "orgulho negro", por parte da população afro-brasileira.
Nos últimos anos, especialmente no período em que a população afro-brasileira reflete sobre a "consciência negra" tem circulado nas redes sociais uma declaração atribuída ao autor Morgan Freeman, dizendo que não precisamos de um dia da Consciência Negra, mas sim, de 365 dias de Consciência Humana. A afirmação de Freeman tem como parâmetro a sociedade onde nasceu e cresceu, sobre o impacto segregacionista da Ku Klux Klan, organização racista e xenofóbica criada no Tennessee, seu estado de origem ou as leis Jim Crow, que vigeram no país por quase 100 anos (abolidas 1965), e que destinava espaços específicos para negros e para brancos (separados, mas iguais). É provável que até Freeman tenha testemunhado agressões físicas, depredação de bens ou linchamentos, por motivos racistas.
Foto: Pablo Millani
Por outro lado, os sinais fenotípicos dos afro-americanos eram motivo de orgulho, atuando para sua valorização e revalorização da estética negra. Por lá, não houve uma ideologia de branqueamento e a sociedade não incorporou o mestiço, ao grupo branco, prevalecendo entre eles o preconceito de origem: "uma gota de sangue negro, te faz negro". Entendo que a declaração de Freeman se aplica à realidade americana, contudo não se aplica ao Brasil. Por que não?
No Brasil precisamos de um "Dia da Consciência Negra" porque, em primeiro lugar, a sociedade brasileira recentemente começou a assumir que é racista, quando o então presidente FHC (2002), reconheceu que as políticas de estado implementadas por ele, no combate ao racismo, estavam tendo algum êxito. Em segundo lugar, para enfrentar o discurso racista, a comunidade afro-brasileira tem positivado sua cultura e referenciando-se nos valores civilizatórios negros. Em terceiro, o preconceito racial por aqui é de marca, isto é, pessoas são discriminadas pela cor de sua pele, pelo jeito de seu cabelo, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos. É o teor de melanina na pele que vai definir se aquela pessoa estará ou não sujeita a sofrer racismo. Em quarto, os currículos escolares devem imediatamente efetivar a lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira, que há quinze anos foi aprovada, mas que ainda não foi totalmente efetivada. Em quinto, o racismo está entranhado em nosso imaginário social, tanto é que agressões verbais racistas, são naturalizadas: somos chamadas de "macaco", "tição", "picolé de piche". Em sexto lugar, precisamos resgatar o grupo étnico negro, tirando da invisibilidade e reconhecendo seus heróis, seus pensadores, suas lideranças. No dia em que vermos nossos filhos formados nas faculdades na mesma proporção que os brancos; quando tivermos ocupando posições de poder; quando o negro deixar de aparecer na manchete dos jornais em virtude de genocídio da juventude negra; quando a pobreza, a fome, a falta de escolas forem superadas; quando os crimes de racismo deixarem de ser impunes, aí sim poderemos falar de um Dia da Consciência Humana.